Prólogo

Janeiro de 2012.

Algo apitava ao longe e eu não conseguia entender se era um apito de trem, uma sirene de uma ambulância ou um alarme de incêndio. Não sabia que local era aquele, mas eu estava em um corredor comprido e branco, com várias portas também brancas.

Estranhei aquele lugar, não era nenhum lugar que eu já tivesse ido. Mesmo de longe, consegui contar doze portas, seis de cada lado. Abri porta em porta e cada uma delas me mostrava algo diferente.

Na primeira, me senti em um aeroporto, mas ele estava completamente vazio. À minha frente, estavam duas malas de rodinhas. Ouvi a voz de Camila no fundo da minha mente, falando sobre uma viagem que estávamos planejando. Balancei a cabeça. Não planejávamos nada, nenhuma viagem. Acabamos de entrar na faculdade, não tínhamos dinheiro nem para ir à padaria comprar um sorvete.

Fechei a porta e passei para a próxima. Na segunda, eu estava em um campo aberto de tulipas coloridas. A paisagem era linda mas o perfume das flores era doce ao excesso, me fazendo enjoar. Fechei a porta novamente, passando para a próxima.

Na terceira, uma brisa quente me embalou e o cheiro de sal marinho invadiu minhas narinas, fazendo com que eu me sentisse na praia. Porém, ao olhar em volta, não vi sinal de qualquer pessoa. Estava na sacada de um quarto que dava de cara com uma praia deserta. Tentei focar na areia, no mar ou talvez nos prédios brancos ao redor, mas nenhum deles me pareceu familiar e o único som era o som das ondas do mar.

Fechei aquela porta e fui à seguinte. Quando a abri, um temporal caía do lado de dentro. Virei para trás, prestes a fechá-la quando ouvi alguém me chamando. A voz me parecia familiar e eu demorei alguns segundos para perceber que era Camila.

Ela continuou me chamando e sua voz continha um som urgente, como se pedisse socorro. Olhei para aquele temporal e senti um calafrio na espinha, de uma forma que eu jamais sentira antes. Camila me chamou de novo e então, eu respirei fundo e entrei.

Os pingos que caíam eram grossos e a água estava extremamente gelada. Só não acreditei que aquela água não estava congelada porque logo meu cabelo e minhas roupas ficaram ensopados. Chamava ela de volta, mas ela não falava nada além do meu nome.

Tentei seguir o som da sua voz, mas ela parecia se afastar cada vez mais. Depois de alguns minutos, a chuva começou a diminuir e um odor metálico se instalou no ar. Os pingos de chuva, que antes eram cristalinos como a água, se tornaram rubros. E então eu entendi: a água começou a se transformar em sangue.

Todos os meus sentidos se aguçaram ao perceber o que estava acontecendo e senti uma urgência ainda maior de encontrar Camila. Chamava por seu nome desesperadamente até que finalmente a encontrei. Ela estava encolhida naquela chuva de sangue, com suas roupas sujas.

Quando eu cheguei perto dela, ela estava ajoelhada no chão tentando se levantar mas suas pernas não obedeciam da forma como deviam.

Me aproximei para ajudá-la a se levantar, mas senti minhas próprias pernas grudadas no chão. Não conseguia me mover.

– Diego! Me ajuda!

Os gritos de Camila me fizeram sentir um medo que eu havia experimentado apenas uma vez. Algo no fundo do meu estômago se embrulhava e, quando eu olhei para ela, percebi que a barra da sua camiseta estava rasgada e com sangue. Ao invés de estar manchada pela gola, que seria proveniente da chuva, o sangue manchava a barra e se unia com suas calças, também manchadas.

Vi um corte fundo em sua barriga e todos os alarmes que tinham na minha cabeça soaram. Uma sensação horrível de déja-vù passou por mim. Precisava salvá-la.

Mas como?

– Não consigo! – gritei, mas ela pareceu não ouvir.

– Não me deixe sozinha, Diego. Por favor!

Essa frase rodava na minha cabeça e, como se houvesse uma força maior que eu, fui arrancado da soleira da porta da sala e ela se fechou com um estrondo.

– Não! – exclamei, esmurrando a porta, como se ela fosse abrir novamente – Camila!

Eu a chamei diversas vezes, mas algo continuava a me puxar para longe, afastando-me da porta. Eu tentei me debater, mas foi em vão. Eu não conseguia me soltar, não conseguia ajudá-la.

– Camila! CAMILA!

O apito forte que eu ouvi antes, agora aumentou de volume até tornar-se insuportável. Eu sentia aquele cheiro metálico impregnado em mim, um odor tão intenso que era angustiante. Agachei no chão branco, com as mãos no ouvido tentando bloquear o som. Aquele sentimento forte se revirou dentro de mim e eu continuava sem conseguir me mexer para salvar minha melhor amiga.

Já tinha visto ela daquela forma, usando exatamente aquelas roupas, com aquelas mesmas manchas de sangue, com aquele mesmo corte naquele mesmo lugar. O desespero então me atingiu como um raio e eu sentia todo meu corpo alarmado e arrepiado, me sentindo terrivelmente inútil por não ter conseguido salvar Camila ou por não ter conseguido impedir que se machucasse da forma como havia se machucado.

Ouvi uma voz ao fundo, chamando-me. Não sabia quem era, mas tentei pedir ajuda àquela voz para salvar Camila ao mesmo tempo em que continuava sendo arrastado da porta.

– Diego?

Eu tentava fazer com que a pessoa que me chamava me ouvisse e ajudasse Camila enquanto tentava me desvencilhar da força que me puxava para longe de minha amiga.

– Diego? – ouvi novamente e senti esse alguém cutucar meu braço com um dedo ossudo.

Abri os olhos com um sobressalto. Olhei de um lado para o outro, tentando clarear minha mente. Matheus, meu colega de quarto que se mudara há dois dias, olhava para mim com um ar preocupado.

– Está tudo bem? Você estava se debatendo e chamando pela Camila.

Encarei Matheus, ainda tentando fazer com que algo na minha cabeça fizesse sentido. Balancei a cabeça.

– Não foi nada, foi só um sonho estranho. Foi mal ter te acordado.

Matheus respondeu algo, mas eu não prestei muita atenção no que foi. O vi sair do meu quarto e voltei a deitar.

Senti o suor em meu rosto. As imagens de Camila ensanguentada me deixava nervoso e tinha certeza que, ao olhar no relógio e constatar que eram quase duas da manhã, aquela seria uma longa noite.

Sobre GabisNika | Gabriela Resende - Escritora

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